Pular para o conteúdo principal

Cura


O médico estava embargado, olhando baixo, escolhendo cirurgicamente cada palavra...

Juliana precisou resumir aquilo tudo:

— Dr. Felipe, sejamos práticos e objetivos: quanto tempo eu tenho de vida boa, sem ter que me submeter a tratamentos violentos que irão me matar muito antes de eu falecer?

Ele arregalou seus olhos muito azuis e gaguejou...

— Mas, bem...como assim...como...você não quer fazer o tratamento? Eu recomendo que...

Juliana precisou interromper aquilo tudo:

— Não importa, Dr. Felipe, apenas me responda: quanto tempo posso viver a minha vida como ela é hoje, sem hospitais, remédios pesados e tratamentos massacrantes?

Ele pausou, respirou, pensou, ficou duramente sério, e respondeu firme:

— Não tem como eu ser preciso, depende de vários fatores: depende de você, da sua natureza, de como seu organismo irá reagir a uma medicação ao menos paliativa...mas não muito mais, alguns meses, acredito que uns...(pausa)...quatro a oito... — ele esclareceu constrangido.

Ela precisou absorver aquilo tudo. O silêncio da sala já estava falando bem alto quando ela, de repente,  continuou a falar firme:

— Entendi. Que seja. Se eu tiver que ir embora prefiro sair rápido pela porta da frente... 

Alguns meses se passaram.

Juliana está de pé, procurando na sua necessaire o comprimido indicado para uma certa dor de cabeça que ultimamente tem resistido a ceder, quando percebe que ele a observa da cama. Ela imediatamente sorri, como sempre acontece quando vê aqueles olhos muito azuis despertando...

Ele também sorri preguiçoso para ela...

Ela então faz a pergunta que acordou com ela naquele dia.

— O que exatamente fez você se apaixonar por alguém, digamos, derradeira...com um cronômetro no pescoço, porque em breve...

Felipe precisou parar aquilo tudo:

— Você é de verdade, é você, é única. E eu a amo por isso. Quero você até seu último dia e muito mais...

Ela pulou em cima dele, deixando a dor de cabeça ao lado do copo de água...para depois.



Artwork: Anna Berkut