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Mostrando postagens de 2013

Trocas

As imagens dele eram como um videoclipe tátil. Ela via e sentia pedaços de pescoço, partes de pele, texturas da sua pele imperfeita, da sua barba espetada, da sua roupa mal passada...impressões de abraços e movimentos sem ordem, sem script, mas cheios de ritmos combinados, com corpos quase sempre na vertical, inclinados, recostados, safados; contrariando expectativas, convenções e estabilidades físicas. Um encaixe com muito rosto no rosto, com muita proximidade, temperado com respirações aquecidas, vozes baixas e altíssimos teores. Não, não havia nada nem remotamente convencional nesse encontro que insistia em não ser casual, em surpreender pelo que evocava e em não acontecer de fato. Seria um encontro intelectual poético? Quem sabe um encontro apenas lúdico? Um encontro de afinidades? Um encontro de desejos? Mas jamais um encontro realizado? E o que seria realizar alguma coisa? Tudo o que acontece ao redor dela já não em si puro acontecimento? Precisamos de palavras, de

Fato.

Eu gosto de gente fora da fôrma. Photo: Unknown artist

Os escritores...

E os dois se reencontraram entre livros. Ele em uma turnê promocional, ela em uma pesquisa para um novo trabalho. Quando os olhares se esbarraram, ambos ficaram constrangidos: ele desconcertado (como sempre) com a certeza do interesse dela, ela atrapalhada com o súbito aumento de temperatura que a presença dele sempre lhe causava. Sem ter como desertarem daquele momento descombinado, se cumprimentaram, sorriram e elegantemente disfarçaram. Podiam ter parado ali, afiançados pela cordialidade e por um estudado espanto pela coincidência. Mas, destituídos de matemáticas exatas, continuaram conversando e acabaram relaxando em temas amenos em uma distância tacitamente calculada por ambos. Mas o destino pretendia se divertir mais: colocou os dois juntos não só em uma cidade alheia ao cotidiano de ambos, mas no mesmo quadrado de um hotel. Ao se darem conta, os risos ficaram nervosos, mas foram aplacados por aquele ensaiado enredo desinteressado escrito a quatro mãos. Acabaram

O beijo

Tascou-lhe um bilhete de amor à queima roupa. Talvez precipitado, sem encontros marcados, sem avisos sinalizados. Na verdade, tratou-se de um combinado (quase) à sua revelia; um conluio entre as palavras e os sentimentos a favor de um certo desejo.  O bilhete foi na carona de um livro emprestado. De fato, o assunto deveria ser restrito ao trabalho, mas desejos sempre têm pressa e quando acham um chofer são assim: escolhem sempre o caminho mais rápido.  Nos dias que se seguiram, não houve nenhum tipo de resposta ou comentário do destinatário. Ele deveria ter desconfiado, mas sabemos que um ser enamorado não lê com clareza nem outdoor.  Mas havia a festa do tal trabalho compartilhado: eles tinham data para se encontrar. Ele queria muito isso, mas a oportunidade que antes poderia ser uma celebração, agora ameaçava tornar-se um constrangimento. Aquele doce gosto de framboesa, de repente, amargou.  Pensamentos desconcertantes fizeram a festa bem antes na cabeça dele: Se

O Camarão Está na Página em Branco.

Estou eu aqui sentada em um bar restaurante, em uma brecha de um ocupado dia, para comer alguma coisa e aproveitar a breve pausa para escrever uma crônica encomendada. Na minha cabeça passam mil assuntos, dezenas de possíveis personagens que cruzaram meu caminho nas últimas semanas e que, agora, defendem seus motivos para saírem do anonimato e virarem estrelas do texto programado. Enquanto ouço os argumentos de um por um na minha cabeça, peço ao garçom uma Malzebier que, por alguma razão, sempre me consola em momentos de alta tensão. Para acompanhá-la, peço também uma indefectível empadinha de camarão. Os pedidos chegam e eu, depois de um providencial suspiro para oxigenar a mente e o corpinho, dou uma ansiosa mordida na empadinha...Nhac!  A empadinha amiga está quentinha, bem feitinha, bem temperada, mas acho que pedi uma empada de camarão. Curiosamente, esse crustáceo que tanto amo, com toda a certeza do mundo do meu estômago, não passou por essa empada, não diss