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Pequena Morte


Era um primeiro encontro cheio de informações desconexas, histórias que não se completavam, alegrias tolas, cumplicidades gratuitas. Falaram e riram sem reter nada. A questão era apenas estar perto, poder estar dentro.

As afinidades foram tão intensas e combinadas que, por mais de uma vez, ele parou no meio da conversa e a encarou. Em outro momento foi a vez dela. Medo? Surpresa? Ainda não havia respostas e nem tempo para procurá-las.

Na despedida — meio desconcertada —, ela foi saindo do carro sem deixar o aval do seu beijo. Ele não deixou: a puxou pelo vestido.

Quando ela virou, a expressão grave no rosto dele falou mais do que palavras. Ela então pulou em seu colo, segurou seu rosto, afundou as duas mãos em sua barba, olhou em seus olhos e então deu-lhe um beijo descansado, sem a menor pressa de acabar.

Ficaram ali, algum tempo, inertes por fora e aos turbilhões por dentro, até ambos se soltarem com uma  suspirada desafogante.

No dia seguinte, um compromisso qualquer marcado na vida de antes afastou os dois da continuação desse eloquente enredo.

Com o começo de uma nova semana, ambos mergulharam em suas frenéticas rotinas urbanas: tensas, tomadas, ocupadas, limitantes.

Mas, eles não se desconectaram. Alimentaram-se de mensagens, e-mails, recadinhos em áudios, provocações em vídeos, interesses explícitos. Usaram toda a tecnologia disponível a favor da desfavorável realidade rasa.

E então, exatamente uma semana depois, os dois marcaram o urgente reencontro em um suposto jantar combinado à quatro mãos na casa dele.

Na hora agendada, os ingredientes estavam dispostos na bancada da cozinha dele: massas, temperos, travessas, panelas, vinho, taças. Uma produção estudada para provocar a melhor impressão possível nela. De repente, a campainha toca desfocando a cena. Ele quase se desmaterializa para chegar à porta mais rápido. Quando ele a abre, ela surge energética, sorridente, cheia de graça e sem graça, pela indisfarçável fome de jantá-lo.

Os dois conversam naquele silêncio de segundos. Ele entende e aceita, pega a sobremesa das mãos dela, coloca o pote em algum lugar improvável, volta e  a puxa para seus braços.

Ela volta a se perder em um beijo afundado naquela barba; enquanto ele a segura sob o vestido, pelas popas, subindo as mãos com uma pressão forte, sentindo pelo caminho suas umidades, temperaturas e carne.

Fraca de tanta vontade dele, ela se ampara na parede. Ele se aproxima mais até encaixar o corpo inteiro no dela. Os dois se demoram ali, embolados entre beijos e respiros; entre desejos, apertos e movimentos.

Eles não se despem, mas estão nus e entram em uma sintonia tão violenta que morrem juntos...ali.



Artwork: Fabian Perez