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Trocas


As imagens dele eram como um videoclipe tátil. Ela via e sentia pedaços de pescoço, partes de pele, texturas da sua pele imperfeita, da sua barba espetada, da sua roupa mal passada...impressões de abraços e movimentos sem ordem, sem script, mas cheios de ritmos combinados, com corpos quase sempre na vertical, inclinados, recostados, safados; contrariando expectativas, convenções e estabilidades físicas. Um encaixe com muito rosto no rosto, com muita proximidade, temperado com respirações aquecidas, vozes baixas e altíssimos teores.

Não, não havia nada nem remotamente convencional nesse encontro que insistia em não ser casual, em surpreender pelo que evocava e em não acontecer de fato. Seria um encontro intelectual poético? Quem sabe um encontro apenas lúdico? Um encontro de afinidades? Um encontro de desejos? Mas jamais um encontro realizado?

E o que seria realizar alguma coisa? Tudo o que acontece ao redor dela já não em si puro acontecimento? Precisamos de palavras, de toques, de ações, de roteiros? Ou o que é sentido, percebido e vivido em outras esferas também é fato?

São muitas perguntas, mas as respostas pouco importam. Sim, a falta de um enredo minimamente escrito volta e meia a convidava a desistir. Mas a liberdade das não promessas a convidava a investigar. E ela ficava ali, entre a curiosidade aventureira e o conforto da entrega dos pontos antes mesmo do jogo.

De concreto, só o odor que exalou daquele abraço, que nada tem a ver com razão, pensamentos ou letras. Só tem a ver com misturar-se com ele sem a menor pretensão de se achar ou de se perder.

Photo: Getty Images | Cosmopolitan